terça-feira, 31 de março de 2015

SEMP Rádio e Televisão: FINAL DE UM MARCO INDUSTRIAL EM SANTO AMARO/SÃO PAULO

PIONEIRISMO DA INDÚSTRIA ELETRÔNICA NO BRASIL


A SEMP foi marco de desenvolvimento da região de Santo Amaro, em São Paulo, está sendo desativada e demolida neste início de ano de 2015, para dar lugar a novos empreendimentos imobiliários. O que representou um pólo das indústrias locais situada na Avenida João Dias, nº 2476, somada a tantas outras indústrias que foram desativadas na região onde nada mais resta do que foi orgulho de desenvolvimento no ápice industrial de Santo Amaro. São Paulo tornou-se uma cidade de serviços e não mais de transformação industrial, o que ocasionou a mudança da SEMP TOSHIBA Amazonas S.A. para a cidade de Cajamar, no quilometro 39,5 da Rodovia Anhanguera, Bairro Jordanesia.
Avenida João Dias, nº 2476

Finda-se deste modo mais um capítulo da desindustrialização de Santo Amaro, São Paulo, refletindo um novo modelo de ocupação destas áreas para a gentrificação e apoderamento de espaços para ampliar cada vez mais a ocupação física pela cidade com o inchaço populacional descontrolado, sem as infra estruturas básicas  para manter a funcionalidade urbana.




Uma história de superação  
           
A indústria eletrônica no Brasil estava ainda em passos lentos quando Afonso Hennel, natural de Curitiba, Paraná, onde serviu o Exército saindo como segundo tenente, sabendo deste modo, como se processava e evolução ocorrida na tecnologia de ponta pelo mundo. Mais tarde Afonso Hennel foi adquirir novos conhecimentos na indústria sueca Ericsson em Minas Gerais. Mais tarde mudou para o Rio Grande do Sul, para formar sociedade com Carlos Rettmann, em 1934, iniciando a importação de produtos eletrônicos pela Rettmann & Hennel Ltda.

Um grande importador era Edward Adler, judeu de origem, que morava em São Paulo. Edward tinha uma “carteira de contatos” com os Estados Unidos e mantinha relações comerciais em vários lugares do Brasil. Um acidente aéreo interrompeu repentinamente essa promissora atividade que surgia no país. A esposa de Edward Adler, senhora Maria Paes de Barros Adler, de família tradicional, sabendo da visão empresarial de Afonso Hennel convidou-o para assumir a empresa do marido e propondo-lhe sociedade na mesma, surgindo deste modo a importadora Hennel & Adler Ltda, com sede à Rua 24 de Maio, no Centro da cidade de São Paulo. A senhora Maria Paes de Barros Adler pouco participava desta atividade e propôs que Afonso Hennel adquirisse sua participação da sociedade. Acertadas as partes envolvidas e com toda essa gama de conhecimento de Afonso Hennel era fundada em 1942 a Sociedade Eletro Mercantil Paulista Ltda, mais conhecida Pela sigla SEMP, e foi incentivada pela industrialização tardia do país e coincidentemente dentro das causas de desenvolvimento apoiada pelos Estados Unidos durante a Segunda Guerra, de apoio ao momento beligerante do momento histórico.

 A maior ambição da Semp era fomentar a industrialização local e não importar equipamentos das grandes indústrias americanas e até das européias. Afonso Hennel com seu vasto conhecimento anterior criava a atmosfera acrescida de Know-how suficiente para fortalecer uma indústria de produtos no campo da eletrônica. Em 1943 eram fabricados os primeiros rádios genuinamente nacionais e que receberam o nome de Saratoga, montado com uma miscelânea de peças produzidas artesanalmente, não dando qualidade ao produto. Findada a guerra o mercado abriu-se para a importação de peças o que fomentou melhor qualidade aos produtos eletrônicos e outros bens de consumo. O rádio tornou-se a fonte principal dos meios de comunicação e foi massificado como meio de informação, onde a Rádio Tupi fundada por Assis Chateaubriand era a emissora sintonizada desde 1935, ano de sua fundação[1]. O mesmo  Assis Chateaubriand impulsionaria a transmissão televisiva começada em 18 de setembro de 1950, trazendo dos Estados Unidos os primeiros equipamentos transmissores e 200 televisores.

A SEMP inovou com as transmissões de rádio ao idealizar as baterias energizadas pelo vento (Wind Charger) para abastecer locais longínquos do território brasileiro, de grandes extensões rurais. 
Em 1947, Afonso Hennel juntamente com a esposa Jurema Hennel faz a proposta de enviar o se único filho, Affonso Brandão Hennel, para aprimorar-se nas novas tecnologias ocorridas nos Estados Unidos da América, local dos primeiros contatos para aquisição de peças que eram importadas para a incipiente indústria em franca expansão do pós guerra da engenharia eletrônica.  Affonso Brandão Hennel já estava tendo experiência do comércio da Rua Florêncio de Abreu onde trabalhava na loja de ferragens de Gabriel Gonçalves, nome renomado no varejo comercial.

Com a passagem e o visto de permanência assinado,  Affonso Brandão Hennel decolava do Rio de Janeiro à América onde lhe acompanharia o argentino Joseph Martinez rumo a Nova York, cidade que iria exercer a função de Office-boy de um dos fornecedores da empresa de seu pai, mas já orientado para esforçar-se em conhecer os fornecedores de peças eletrônicas para a SEMP e ainda tinha que se adaptar ao modelo da cultura americana.

No Brasil a Superintendência da Moeda de Crédito, SUMOC (substituída pelo Banco Central, a partir de 31 de dezembro de 1964, Lei 4595) cortou os créditos de importação em 1948, no governo do Marechal Eurico Gaspar Dutra, afetando muito a entrada de linhas eletrônicas no país. Toda essa conjuntura afetou a empresa de Joseph Martinez ocasionando a demissão de Affonso Brandão Hennel. Os Estados Unidos ainda se ressentia dos efeitos da guerra e estava voltada a produção bélica com o advento da Guerra Fria, disputa das duas potências antagônicas no modelo de governar, de um lado os Estados Unidos com seu capitalismo de oferta e do outro lado a União Soviética fortalecida com a vitória da 2ª Guerra com seu modelo socialista. Os empregos estavam escassos e o que de melhor um jovem poderia fazer neste exato momento era ingressar em uma faculdade e se especializar em uma carreira que desse respaldo as atividades do que se propunha fortalecer no Brasil cursando engenharia eletrônica para no futuro fortalecer as raízes da SEMP e a produção no Brasil.

A “performance” do aluno na Universidade de Syracuse, na região dos Grandes Lagos, foi no início de grande dificuldade e se mantinha dentro dos recursos que lhe enviava a família para se manter enquanto estudava. Foi remanejado para o curso de Engenharia Industrial, para num futuro não muito distante reconhecer o “piso da fábrica” com o tino administrativo e gestão somada ao desenvolvimento dos processos de produção. Affonso Brandão Hennel neste ínterim casou-se, e dedicou-se com maior afinco aos estudos e assumia também maiores responsabilidades e no final de 1950 veio ao Brasil visitar os pais sem a esposa.  Neste tempo a SEMP estava ocupando outras dependências na Rua Liberdade, no centro de São Paulo tornando-se a primeira indústria brasileira a montar em aparelho de televisão no Brasil. Somavam-se as vendas de televisores o rádio Capelinha (conhecidos como AC 431 ou PT-76) muito difundido e popularizado pelo país e de grande sucesso até meados da década de 1980.



Affonso Brandão Hennel voltou rápido para os Estados Unidos sendo que seu filho Afonso Antonio Hennel nasceria breve e com o curso universitário a ser concluido. Com as tensões externas da Guerra Fria cada vez mais acirradas e necessitando tomar a decisão de assumir em definitivo os negócios da família resolve retornar ao Brasil em 1953, juntamente com sua família constituída nos Estados Unidos. Neste mesmo ano a razão social da empresa passa a denominar-se SEMP Rádio e Televisão S.A., época que passa a liderar a indústria de rádios e televisores no Brasil e com aproximadamente 150 funcionários. Affonso Brandão Hennel assumiria deste modo o setor de suprimentos da empresa em 1953, ano este que a família aumentaria com a chegada do segundo filho George Antonio Hennel. Suprimentos e matérias primas consumiam 60% dos custos da fábrica, 5% eram destinados aos recursos da mão de obra, e como o Brasil sempre taxou muito alto os impostos o restante ficava para estas finalidades somadas a alguns imprevistos ocasionais.

Novos conceitos de produção aprendidos nos Estados Unidos foram aplicados na linha de produção da Semp aumentando seu poder de produção e eficiência com o mínimo de desperdício. Affonso Brandão Hennel assumiu mais tarde a produção da fábrica, tornando-se gerente da linha de produção. Em 1954 nasce-lhe a filha Cristina Hennel e no ano seguinte é ardoroso defensor da intensificação do segmento de televisores pela SEMP. Outras marcas eram impulsionadas no Brasil surgindo marcas nacionais com ABC, Straus e Zilomag e as importadas como a Philips, Telefunken e Philco e outras tantas que fatiava o mercado interno. Nesta época a demanda de mercado era apenas 5% televisores e 95 % rádios e rádioeletrolas, um misto de toca discos, amplificadores e rádio, tudo acoplado num único aparelho pesado de madeira, pois o advento do plástico para produção de eletrônicos começaria um pouco mais tarde. A empresa, por dificuldade de produção terceirizada, passou a desenvolver também peças de qualidade nas dependências da SEMP, ampliando o quadro de profissionais do Departamento Técnico. O s conflitos de produção eram enormes mais foram, aos poucos, sanados a contento atingindo alto nível de eficiência.

Juscelino Kubitschek assumiria a presidência do Brasil, fundamentando os Planos de Metas a serem alcançados para o desenvolvimento do país, dando impulso a indústria nacional, mas resultou também um descontrole nos orçamentos da União. Neste mesmo ano, Affonso Brandão Hennel passa a acionista da empresa SEMP, revigorando ainda mais o crescimento e a demanda de produtos exigidos pelo mercado e aumentando o faturamento. O advento do plástico somado ao aparecimento dos transistores[2] resultou na produção de rádios portáteis alimentados por pilhas de 6 ou 12 volts e que poderiam ser levados para um lado a outro sem depender de energia elétrica. A mecanização da lavoura provocou um excedente de mão de obra na lavoura que se deslocou para os centros urbanos no final de 1950 e início de 1960. Isso resultou numa oferta menor de empregos em relação à mão de obra excedente no mercado, devido a este êxodo do campo para a cidade. Houve também uma melhoria dos salários, principalmente aquela mão de obra especializada que tanto dependia a indústria de transformação. Affonso Brandão Hennel toma uma decisão em 1965, de se desligar da SEMP e fundar a Manufatura de Produtos Eletrônicos S.A., MADEL, que viria a ser detentora da marca Motorola, mas a experiência durou um curto período de tempo, fazendo-se retornar a empresa anterior, no caso a SEMP. Nova mentalidade foi introduzida na empresa e ao invés de produzir todos os componentes inerentes aos produtos formalizados optou-se por comprar no mercado ao invés de produzir todas as peças dos equipamentos, resultando nisso uma redução de espaço que seria necessário para montagem de produtos. A tecnologia externa criada nas empresas possuía o aporte necessário de financiamento para pesquisar, criar melhorar e renovar o produto, com inovações que atraiam o mercado consumidor. Affonso Brandão Hennel era adepto de optar-se por uma parceria com um grande multinacional para não sucumbir no mercado competitivo mundial. Neste ínterim, criou-se a Zona Franca de Manaus, pelo decreto Lei nº 228, de 28 de fevereiro de 1967, que regulamentava as parcerias de empresas nacionais e estrangeiras e dava impulso à região Amazônica com a criação de pólo de desenvolvimento econômico e social.

Nesta época Affonso Brandão Hennel era vice-presidente da Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica e assumiria como membro da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletrônicos, uma dissidência da primeira e participou ativamente do processo de criação da Zona Franca de Manaus, criada para geração de empregos e frear a devastação da floresta pelo comércio ilegal da madeira. Em 1968 assume o comando da SEMP, pela enfermidade de seu pai, Afonso Hennel e a procura de tecnologia de ponta eram inevitáveis e buscar uma parceria era meta urgente. Em 1972 foi lançada a televisão a cores de 20 polegadas e as portáteis de 14 polegadas. Era o ano também que marcaria a SEMP com a morte de seu idealizador, Afonso Hennel, ocorrido em março de 1972. Era uma hora de reflexão do filho, mas também uma hora de tomar a decisão de buscar uma parceria duradoura, pois a multinacionais já estavam abarcando um quinhão do mercado nacional de televisores com as empresas Mitsubishi, Philips, Sanyo, Sharp, Sony, National (Panasonic).

Affonso Antonio Hennel inicia sua trajetória na SEMP sendo incumbido de estrutura a SEMP para fabricação de televisores na Zona Franca de Manaus, sendo que buscou instalações pré fabricadas no mercado norte americano onde adquiriu um galpão de 8 ml metros quadrados para acomodar as instalações de televisores e áudio, sendo mais tarde ampliada com outro galpão de mesma metragem para a fábrica 2, com instalações de geradores para energia de funcionamento da mesma. 

A solidez financeira da empresa clamava não por investimentos de capitais, mas de uma parceria capaz de fornecer uma tecnologia de mercado competitiva[3]. Surgia deste modo o nome da empresa japonesa Toshiba que tinha interesse de parceria e investir no Brasil e que culminou com uma série de contatos para formatar as cláusulas no ano de 1974 e que se prolongou até longo período de negociações finalizadas e oficializadas a parceria de ambas em 1977, surgindo a SEMP TOSHIBA.

Nota:
Sujeito a revisão sem prévio aviso, conforme interferências externas de colaboradores que possam somar informações úteis para ampliar a gama de dados desta crônica.

Vide mais sobre Assis Chateaubriand:
Baby Pignatari em Roma: Mecenas do MASP

Referências:
AWAD, Elias. Affonso Brandão Hennel: Ensina-me a ensinar. Osasco/São Paulo: Novo Século Editora, 2009.




O ESTADO DE SÃO PAULO, Economia, Especial Telecom, 31 de março de 2015.

CARTAZES: SEMP TOSHIBA




[1] Para incentivar a venda de aparelhos radiofônicos a Corporação Elétrica Westinghouse fundou em 1920 a KDKA, a primeira emissora comercial do mundo e o início da Era do Rádio. No Brasil essas transmissões radiofônicas foram incentivadas pelo médico Edgar Roquette Pinto com a fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. O rádio era então massificado e os aparelhos eram produzidos em grande escala o que barateava o produto.

[2] Em 1948 pesquisadores da Bell Lab, nos EUA, foram os responsáveis para o advento dos transistores, que viriam a substituir as válvulas termiônicas e que transformaria a tecnologia eletrônica e que criaria condições favoráveis para criar circuitos de menor volume, e que abriria novos campos de pesquisa e que daria sustentação para no futuro a criação dos computadores. Foi somado a isto o lançamento em 1957, do Sputinik, primeiro satélite artificial lançado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.  

[3] O campeonato da Copa do Mundo de 1970 foi transmitido via satélite e dois anos após as transmissões eram a cores. As televisões com transmissão digital tipo LCD eram fabricadas a partir de 2006 pela Semp Toshiba em Manaus quando foi eleita a Melhor Empresa do Setor Eletroeletrônico daquele ano.