terça-feira, 27 de março de 2018

Santo Amaro e Jardim São Luiz: do carro de boi ao metrô de São Paulo

A TRANSFORMAÇÃO DA MOBILIDADE NA CIDADE

Na década de cinqüenta do século XX, não havia sistema de transporte nos bairros operários do Jardim São Luiz, São Paulo, e pelas cercanias do Capão Redondo e Vila das Belezas, a maioria se locomovia para o trabalho com bicicletas, o meio de transporte eficiente da época. Outros operários, com muita coragem, deslocavam-se de madrugada, pondo o "pé na estrada", uma verdadeira legião, rumo às várias indústrias que implantaram seu parque produtivo nas cercanias de Santo Amaro.

Os ônibus coletivos eram raros, e o ponto final do ônibus "Viação Columbia", primeira empresa a adentrar no bairro do Jardim São Luiz, tinha seu "ponto final" na entrada da Penhinha, próximo a pequena Capela da Penha, um marco, demolida em 1973. Hoje, neste local, situa-se o supermercado Extra dos pioneiros deste tipo de empreendimento, do Grupo Pão de Açúcar, da família Abílio Diniz.
Neste largo havia um "comércio local", denominado "Armazém do Pedro Ferreira", onde se podiam encontrar gêneros alimentícios, incluindo a famosa "Banha Matarazzo" e até ferramentas agrícolas. Do lado oposto, havia meia dúzia de casas pequenas sendo que uma delas era residência de uma senhora que perdeu a visão, dona Maria Coelho Aguiar, que muitos confundem com a grande genealogia desta família, onde há homônimas, mas pouco se sabe da referida moradora e que, mais tarde, com justiça, seu nome foi grafado na antiga Avenida São Luiz, que muita confusão fazia com a Avenida de mesmo nome no centro da cidade de São Paulo. Ela passava parte do tempo no portão a cumprimentar os transeuntes, onde se localizava o ponto dos ônibus esverdeados da Emílio Guerra[1] que ligava Santo Amaro a Itapecerica da Serra.
Neste mesmo local na parte do morro, oposto à capelinha estava o "Cortume Dias" grafado com "o", da família do empreendedor Antonio Dias da Silva, que tratavam os couros, em tambores giratórios em solução de água e ácidos, camurçados e pelegos que cobriam equinos comuns de tropeiros e animais que, atrelados às carroças, faziam o transporte de carga comum na época. Mais tarde, intensificaram a produção e começaram a fabricar tecidos oleados, precursora das lonas plásticas da multinacional Sansuy, na atualidade.
O córrego que corta o bairro e flui em direção ao Rio Pinheiros tem a denominação de Curtume, onde antes havia peixes; hoje são águas fétidas dos esgotos.
Do lado do atual Jardim São Francisco, um pouco afastado, havia um paiol de pólvora, também da família Dias, embora o propósito maior fosse de cunho industrial, também fazia alegria dos mestres fogueteiros da época, verdadeiras disputas entre famílias especialistas nesta arte sadia nas festas juninas, que rasgavam os céus noturnos límpidos, com a criançada a correr em competição a recuperar as varetas dos rojões de vara, um verdadeiro espetáculo nos descampados, que seria uma coisa inimaginável na atualidade. 
Cita-se uma importante referência histórica: o sino que estava no campanário da Capela Penhinha, quando de sua demolição, achou-se por bem recuperar parte desse pequeno patrimônio, sendo que na atualidade faz parte do acervo da Paróquia São Luiz Gonzaga, podendo se ler na lateral do sino o nome de seu doador, Fábrica Estrella, que também produzia percalinas e "pano couro" para encadernações e estofamento geral. A fábrica era gerenciada por Plínio Rodrigues Dias, o Plininho, filho de João Dias de Oliveira e dona Sebastiana Rodrigues Dias, dos genes santamarenses.
Cada indústria localizada na região tinha sua sirene característica, tocando em horários determinados, como que a chamar toda aquela massa ambulante. Na Avenida João Dias tinha-se a Hoover, Semp, Squibb, além de pequenas oficinas de marcenaria e máquinas operatrizes, sendo orgulho fazer parte do quadro de funcionários. 
Bem mais à frente, chegaram os primeiros ônibus da Viação São Luiz, onde se montou o galpão da garagem na Avenida João Dias, número 1713, galpão este ainda em atividade como depósito de materiais DiCiCo. Esta empresa de ônibus se transferiu em outubro de 1984 para a Avenida Giovanni Gronchi, 7020, permanecendo no local até maio de 1993 e atualmente esta garagem se localiza na Estrada de Itapecerica, 1290 e se denomina Viação Campo Belo, tornou-se um grande monopólio urbano do consórcio 7, mas as suas origens remontam a década de 60, quando suas atividades abrangiam os bairros do Capão Redondo, Jardim São Luiz, Vila das Belezas, Valo Velho até Santo Amaro e depois com o Centro da Cidade, onde a população fez uma grande festa com bandeirolas e a empresa fez um "tour" com as crianças dos bairros até o Vale do Anhangabaú.
Santo Amaro já possuía um histórico empreendedor muito anterior a essa expansão, embasada em parte ao empreendimento assumido pelo empresariado de Santo Amaro, haja vista que, muito antes do desenvolvimento industrial da segunda metade do século XX, já havia preocupação de ampliar redes de fornecimento para São Paulo, sendo que a primeira linha férrea Cia. Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro, com locomotivas de fabricação Krauss, BN2, idealizada por Alberto Kuhlmann, alemão de nascença, naturalizado brasileiro, assumiu o compromisso, em 1883, depositando 5.000 réis na assinatura de garantias do contrato, com recursos próprios, e teve a participação de recursos privados de investidores santamarenses na ordem de 300.000 réis, sem intermediários.
A Estação da Ferrovia de Santo Amaro tinha parada obrigatória onde hoje se situa o colégio Linneu Prestes, e que mais tarde, utilizada pelo Bonde elétrico da Linha 101, com extensão de 31,0 km, inaugurada em 07 de julho de 1913 sobre a administração da "The São Paulo Railway Light and Power Company Ltd.", que havia adquirido a Carris, as locomotivas a vapor, desativadas definitivamente em 1914.

O bonde servia o Itinerário desde o Largo da Sé, Rua Marechal Deodoro, Praça João Mendes, Rua Liberdade, Domingos de Morais, Jabaquara, Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, que atingia até a atual Avenida Adolfo Pinheiro (ainda não existia a Avenida Ibirapuera com seu traçado atual e muito menos a avenida vereador Jose Diniz, que era bem atuante com sua especialidade farmacológica), seguindo para a várzea de Santo Amaro, com ponto final no Largo Treze de Maio, onde era feito o balão de retorno.

Em 23 de dezembro de 1920, foi inaugurado o trecho de 1600 m de extensão à represa de Guarapiranga, que pretendia ligar do Largo Treze de Maio à Capela do Socorro.
O que foi o Caminho do Carro de Boi, ligando Santo Amaro à capital paulista, para abastecimento de produtos, na atualidade tem novos trilhos no caminho, através do prolongamento da "Linha 5 do Metrô", e podem estar certo que desde a Linha do Trem a Vapor ao Bonde, mudou-se o modelo do transporte o trajeto é semelhante, seguindo para a Vila Mariana até atingir a Chácara Klabin. 


Referências:

Acervo da Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo – FPHESP

Morrison, Allen. The Tramways of Brazil, Nova York: Bonde Press,1989.

Geraldo Sesso Jr. Retalhos da Velha São Paulo, São Paulo:Editora Maltese1983.

Depoimento de Adozina Caracciolo de Azevedo Kuhlmann, neta do Engº Alberto Kuhlmann, depoimento quando das festividades dos 457 anos,em 15 de fevereiro de 2009, em Santo Amaro, na Associação Comercial de São Paulo, Distrital Santo Amaro.

Vide para complemento desta história, desde o carro de boi ao metrô em Santo Amaro, São Paulo:

Transporte sobre trilhos em Santo Amaro e a Malha Viária


“Santo Amaro Sobre Trilhos: do trem a vapor, ao bonde e ao metrô”

METRÔ DE SANTO AMARO NO SÉCULO 20 E O INTERESSE DO FUTEBOL NO SÉCULO 21


METRÔ DE SANTO AMARO APÓS 47 ANOS, ENFIM, COM MUITO CUSTO $ !!!





[1] Emílio Guerra foi pioneiro do transporte coletivo ligando na região de Itapecerica da Serra a Santo Amaro e, mais tarde, tornou-se intendente da cidade de Cotia de 1964 a 1969.

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